O caso do paciente brasileiro descrito abaixo é exemplo do que vem ocorrendo em diversas partes do mundo com a ajuda da internet:
O executivo Eduardo Marafanti, de 47 anos, lembra-se com detalhes do dia em
que recebeu a pior notícia de sua vida. Foi há dois anos. Os resultados de
exames que fez durante um check-up de rotina trouxeram um diagnóstico terrível.
Ele tinha uma doença grave do sangue conhecida como leucemia mielóide crônica,
uma espécie de câncer. Pelas previsões, baseadas na evolução de casos
semelhantes, Marafanti teria pouco tempo de vida. O cálculo do seu médico era de
que ele viveria um ano e meio, quando muito. "É terrível ouvir a sentença de
morte e saber que não há praticamente nada a fazer a respeito", lembra ele.
Marafanti seguiu as prescrições médicas, mas nenhuma das tentativas de
tratamento fez efeito. No final do ano passado, já convencido de que não havia
solução para seu caso, veio o milagre. Marafanti soube, por intermédio de uma
irmã, que uma nova droga para tratar exatamente o tipo de leucemia que o
acometia vinha sendo desenvolvida por um pesquisador da universidade do Oregon,
em Portland. Ansioso, ele procurou informações com seus médicos. Eles nada
sabiam a respeito da pesquisa pioneira. Marafanti teve a idéia de recorrer à
internet. Foi o que o salvou.
Ele localizou e acessou as páginas da universidade na internet (www.uoregon.edu). A partir daí,
gastou duas horas de navegação para descobrir o nome e o e-mail do responsável
pela pesquisa, o hematologista Brian J. Druker. Mandou uma mensagem em inglês
com um relato detalhado do caso. Para sua surpresa, recebeu a resposta ao cabo
de poucas horas. Depois de uma rápida troca de mensagens com Druker, em que
forneceu detalhes de seus exames de sangue, ele foi aceito como voluntário num
programa de uso experimental da droga conhecida pelo código STI571 e fabricada
pelo laboratório Novartis (www.novartis.com). Quatro dias depois do primeiro contato, ele
estava a bordo de um avião a caminho de Portland. Conversou longamente com
Druker a respeito da doença e tomou as primeiras doses do remédio. Voltou ao
Brasil e, três semanas depois, veio a novidade. Um dos efeitos da leucemia é
multiplicar a taxa de glóbulos brancos, as células do sangue responsáveis pelo
combate às infecções, a um ponto acima do suportável pelo organismo. Antes do
tratamento, a taxa de leucócitos no sangue de Marafanti era de 70 000 por
milímetro cúbico. Em três semanas, baixou para 3 500 por milímetro cúbico, nível
considerado normal. "Não tenho dúvida de que devo a vida à rede", diz Marafanti,
que é diretor da Cotia Penske, uma empresa de logística. "Sem ela, eu não
chegaria ao doutor Druker a tempo." O médico vem acompanhando pela rede a
evolução do tratamento de seu paciente brasileiro. Regularmente, o executivo faz
exames de sangue no Brasil e manda o resultado por e-mail para os Estados
Unidos.
O médico responde com novos conselhos, ao mesmo tempo que calibra o
tratamento prescrevendo doses diferentes da droga trazida por Marafanti e que o
tem mantido num quadro de remissão da doença. Alguns pacientes tratados com o
novo medicamento usam agora a internet para relatar suas experiências (www.newcmldrug.com).
Pacientes com iniciativa, conhecimento de idiomas estrangeiros e
inconformados com a última palavra do médico têm mergulhado nas páginas médicas
on-line em busca de esperança.
"A internet está mudando rapidamente o comportamento de alguns pacientes",
diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo.
"A internet facilitou o acesso das pessoas a informações sobre doenças que
antes eram restritas aos médicos." Isso vem acontecendo em larga escala. Meses
atrás, o nefrologista Décio Mion, chefe da Liga de Hipertensão do Hospital das
Clínicas de São Paulo, atendeu um paciente com uma doença grave. Mion explicou o
caso e prescreveu o tratamento, mas não revelou o nome do problema. Na consulta
seguinte, o médico foi surpreendido pelo doente, que já entrou no consultório
com o nome da doença na ponta da língua: hiperandosteronismo primário. Entre um
encontro e outro, o paciente foi à internet, pesquisou tudo a respeito e
apresentou-se ao médico muito bem preparado. Ele acertou. Mion não se incomodou
com a iniciativa. "Por um lado é bom. Quanto mais bem informado estiver, mais o
paciente se envolverá com o tratamento", diz ele.
O volume de informações sobre saúde posto à disposição do público leigo pela
internet é visto como um avanço por boa parte dos médicos. Alguns apontam pontos
negativos. "As informações da internet podem dar uma falsa segurança e induzir à
automedicação", diz o médico Mário Maranhão, de São Paulo, presidente da
Federação Mundial de Cardiologia. É mais fácil comprar remédio na rede. Há
alguns dias o FDA, o organismo que controla a produção e a venda de medicamentos
nos Estados Unidos, fez um apelo ao Congresso americano. Pediu a criação de uma
lei que puna com rigor as farmácias que vendem medicamentos sem receita médica
via internet. Outra questão a considerar é a qualidade da informação disponível
na rede. Com um computador, uma linha telefônica e um modem, qualquer charlatão
pode criar uma bela página de saúde e colocar ali a informação que julgar
apropriada. A fronteira que separa o simples bate-papo de uma informação que
potencialmente pode vir a salvar uma vida é tênue na rede. Um bom conselho: "O
nome dos especialistas, a instituição a que pertencem e sua qualificação devem
estar bem claros nas páginas que merecem alguma confiança", diz Maranhão. É
óbvio, mas não custa repetir: navegar na internet não pode substituir a ida ao
médico.
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