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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH: um caso de sucesso



O êxito de uma médica em adaptar-se ao Transtorno mostra que é possível levar uma vida normal mesmo quando os sintomas persistem na vida adulta. Por Camila Leporace

Assunto bastante disseminado por livros, programas de televisão, revistas, jornais e outros veículos, o TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – ainda gera uma série de dúvidas na população – e também é tema de debates e pesquisas constantes por parte de médicos e especialistas. Até hoje, a população demonstra dúvida quanto à própria existência do Transtorno, apesar de ele ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Há também diferentes visões em relação às causas do TDAH e às formas de tratamento, envolvendo a administração de medicamentos.

Segundo a Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, médica psiquiatra e escritora, autora do livro Mentes Inquietas – TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade, a história do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é marcada por dois momentos relacionados ao diagnóstico: o primeiro caracteriza-se exatamente pela negação do Transtorno. Em 2003, seu Mentes Inquietas foi publicado graças a investimento da própria autora, pois o assunto do livro havia sido recusado pelo editor sob o argumento de que seria pouco rentável. Portadora ela própria do TDAH, resolveu ir à luta e publicar a obra de forma independente.
Somente no primeiro ano de publicação, foram vendidos 200 mil exemplares. O sucesso do livro era concomitante à popularização do assunto no Brasil. “As pessoas se identificavam. Os médicos, em desespero, começaram a diagnosticar”. O segundo momento começaria então a partir dessa “explosão”. Enquanto, num momento inicial, o TDAH não era quase considerado nos diagnósticos realizados, em seguida passou a ser diagnosticado até mesmo com certo excesso. Nos Estados Unidos, essa “explosão” aconteceu há cerca de 20 anos, mas no Brasil ela data de aproximadamente 10 anos.

Como saber se tenho TDAH?
 Desde a popularização do TDAH, é comum as pessoas comentarem que apresentam características do Déficit de Atenção, ou que as observam em seus filhos, e então procurarem profissionais em busca de tratamento. A presença de apenas determinados sintomas, no entanto, não é suficiente para que o Transtorno, de fato, esteja presente. Além disso, ele pode se apresentar de formas diferentes: há TDAs em que são mais fortes os sintomas de desatenção, enquanto em outros predomina a hiperatividade associada à impulsividade. Há também casos em que esses sintomas todos aparecem.
Segundo a Dra. Ana Beatriz, 6% da população em idade escolar apresenta TDAH. Porém, ela esclarece que, como o TDAH se caracteriza por uma alteração biológica no cérebro, ele não desaparece na vida adulta, como se poderia imaginar. Os sintomas tendem, sim, a atenuar-se com o tempo – mas, segundo a especialista, isso é resultado do amadurecimento do indivíduo com relação a sua condição. Compreendendo mais claramente o que tem de “diferente”, quem apresenta o TDAH se torna muito mais capaz de ser feliz e bem resolvido.
Esse é o caso da própria Dra. Ana Beatriz, uma profissional extremamente bem sucedida apesar do Transtorno. Ela conta que pequenos detalhes rotineiros, como guardar suas chaves de casa sempre no mesmo bolsinho interno em suas bolsas a ajuda a não perdê-las. A adaptação ao TDAH também vem fazendo parte, de uma forma marcante, da rotina de Fernando Narciso, de 28 anos. Ele conta que toma metilfenidato desde criança e faz terapia cognitivo-comportamental. Mas ainda busca uma melhor forma de se relacionar com o Transtorno. “Minha vida não é muito diferente de quando era criança ou adolescente. Minha maior dificuldade é quanto a relacionamentos. Não consigo fazer amizades com ninguém, tampouco namorar, pois como fui muito achincalhado por colegas e vizinhos na infância por ser, digamos, fora do normal, isso me traumatizou de uma forma que eu criei uma barreira em torno de mim”.

Tem remédio?
 A alteração física do cérebro como causa do TDAH não é unanimidade entre pesquisadores do assunto. Em 28 de janeiro de 2012, o New York Times publicou um artigo de Alan Sroufe, professor emérito de Psicologia do Instituto de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Minnesota, intitulado A Ritalina deu errado. No texto, ele critica o uso excessivo de remédios para combater o Déficit de Atenção, lembrando que três milhões de crianças nos Estados Unidos são medicadas com eles, e afirma que os estudos que procuraram relacionar anomalias no cérebro ao desenvolvimento do Déficit de Atenção não foram conclusivos.
Segundo Alan Sroufe, nunca se confirmou se as anomalias observadas já estavam presentes no nascimento das crianças ou se seriam resultantes de um trauma, estresse crônico ou de outras experiências na infância. “Uma das descobertas mais profundas da neurociência do comportamento nos últimos anos foi a clara evidência de que a experiência determina o desenvolvimento do cérebro”, complementa. Para debater os problemas advindos do uso excessivo ou desnecessário de medicamentos no combate a transtornos – e, acima disso, a questão da classificação de algo que se mostra diferente do esperado como “transtorno” – foi criado no Brasil o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.
A psicóloga Helena Rego Monteiro participa do Fórum. Ela explica que, na visão dos participantes, o medicamento não deve ser a primeira opção, quando há inúmeros aspectos a serem levados em consideração para que o diagnóstico e o tratamento do TDAH sejam eficientes e positivos. Helena reforça a ideia disseminada por Alan Sroufe em seu artigo no New York Times: a de que não existe comprovação da ligação entre uma alteração biológica do cérebro e o consequente desenvolvimento do TDAH nos indivíduos.
Sempre que o assunto é o Déficit de Atenção, é associada a ele a substância metilfenidato. No entanto, a Dra. Ana Beatriz destaca que essa está longe de ser a única opção de remédio disponível para auxiliar no tratamento do Transtorno: ela aponta cerca de seis outras alternativas medicamentosas além dessa – que, ressalta, é recomendada para quem é desatento e não indicada para quem precisa de tratamento para a hiperatividade. O metilfenidato também não é recomendado para uso crônico, ou seja, contínuo.
A especialista recomenda o uso de substâncias indicadas para outros distúrbios, mas que se usadas em baixas doses têm se mostrado eficazes no tratamento do TDAH. Esse é o caso do bupropiona, antidepressivo usado para conter compulsões. Ela afirma que, enquanto no mercado a dose desse medicamento corresponde a cerca de 150mg, pessoas com TDAH costumam apresentar bons resultados a partir da administração de doses de 30 a 60mg. Além de chamar a atenção para outras possibilidades além do metilfenidato, a especialista destaca que há casos para os quais o metilfenidato pode ser prejudicial, em vez de indicado. Isso ocorre, por exemplo, com pacientes que apresentam Síndrome do Pânico e outros transtornos associados.
A psiquiatra e escritora lembra ainda que nem só de medicamentos vive o tratamento do TDAH, e indica a terapia cognitivo-comportamental, pois é com esse acompanhamento que o portador do Transtorno terá a capacidade de aumentar o conhecimento sobre si mesmo e aprender a viver melhor. No momento do diagnóstico, é interessante a presença de um psiquiatra infanto-juvenil. Trata-se de uma especialização ainda escassa no Brasil, disponível apenas no estado de São Paulo, por enquanto. Na opinião da Dra. Ana Beatriz, para se tornar capaz de fazer um bom diagnóstico o especialista deve empenhar-se em conhecer de verdade o assunto e ser, de preferência, um admirador do cérebro do TDAH – que ela define como “um carro desgovernado que seus donos vão aprendendo a dirigir”.

Casos de sucesso
Ao contrário do que possam acreditar os TDAs, especialmente quando ainda estão na fase em que não compreendem os sintomas do Transtorno e não sabem lidar com eles, quem tem Déficit de Atenção tem também uma chance enorme de ser muito bem sucedido no que quer que decida fazer de sua vida. Isso acontece porque, na realidade, esses indivíduos têm é um excesso de atenção para o que lhes desperta o interesse.
É a Dra. Ana Beatriz que chama a atenção para a existência desse “excesso de atenção” e para um outro fato: as pessoas com TDAH merecem um cuidado maior com relação à busca e à detecção de seus talentos. Elas, muitas vezes, têm mais dificuldade para identificar aquilo em que podem ser bons. Fernando Narciso, por exemplo, apesar de ter dificuldade em se relacionar com as pessoas ou se concentrar em tarefas rotineiras, já descobriu que adora desenhar e escrever, entre outras atividades artísticas. Uma de suas conquistas, à qual ele se refere como “o orgulho” de sua vida, foi concluir um romance de quase 400 páginas, que agora espera conseguir publicar.
Casos inspiradores de pessoas com problemas na escola e que tiveram grande destaque em suas áreas profissionais são relatados de forma divertida e inusitada pelo especialista britânico Ken Robinson em seu livro  O Elemento – De que forma a identificação da sua paixão muda tudo, numa tradução livre. Reconhecido em todo o mundo por suas ideias revolucionárias voltadas para a educação e a inovação, Robinson afirma basicamente que é a partir do encontro com seu talento intrínseco que cada indivíduo consegue ser o melhor de si, alcançando a realização e a felicidade. Se isso é importante para qualquer pessoa, para os que têm TDAH é ainda mais. Afinal, sem investir naquilo que de fato os interessa, a vida deles – aí sim – se transforma em um verdadeiro transtorno.

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