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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Os dois lados da talidomida




Meio século após o escândalo da talidomida, que resultou em milhares de casos de malformação em recém-nascidos, o medicamento ainda é usado no tratamento da lepra, da aids e de diversos tipos de câncer.
Foi um dos maiores escândalos envolvendo medicamentos da história da Alemanha: no final da década de 1950, tornaram-se frequentes os casos de malformação dos membros e órgãos internos em recém-nascidos. Primeiramente suspeitou-se que a origem estaria nos testes nucleares, depois ficou claro que a causa era o remédio Contergan, nome comercial da talidomida, ingerido durante a gravidez. No final de 1961, a empresa farmacêutica Grünenthal finalmente retirou o sedativo do mercado.
Em 2007, talidomida foi novamente liberada para uso em toda a União Europeia – no entanto, somente para o tratamento do mieloma múltiplo, uma forma de câncer de medula óssea. A eficácia da droga nesse caso foi comprovada pela primeira vez nos EUA, onde o medicamento foi liberado já no final da década de 1990 – ainda assim, apenas em alguns casos. Como sedativo, o uso da talidomida nunca foi aprovado nos EUA, e por isso houve poucos afetados no país.
 
 
Muitos pensaram ser um remédio abortivo
 
A situação na América Latina é muito diferente: a talidomida é usada continuamente desde que surgiu, principalmente contra as lesões inflamatórias da hanseníase, ou lepra, doença infecciosa crônica ainda muito presente nos países mais pobres do mundo.
 
 
Cláudia Maximino se empenhou por uma legislação mais rígida

Mesmo após o escândalo da talidomida na Alemanha, casos de malformação em recém-nascidos foram registrados no Brasil em meados dos anos 60. Calcula-se que, em todo o país, por volta de mil crianças nasceram com as malformações típicas do uso do medicamento ao longo dos últimos 50 anos.
"Muitas pessoas interpretaram erroneamente o símbolo de advertência, que mostra uma tarja sobre uma mulher grávida", afirma Cláudia Marques Maximino, presidente da Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome da Talidomida (ABPST). "Elas pensaram que era um remédio abortivo."
Segundo a pesquisadora Lavínia Schüler-Faccini, da Ufrgs, "o aspecto trágico desse erro fatal é que as mulheres tomaram o medicamento justamente nos primeiros estágios da gravidez, a única fase em que há uma ameaça real para o feto". Um único comprimido contendo 50 miligramas do princípio ativo pode causar graves defeitos congênitos.
 
 
Medicamento eficaz
 
Schüler-Faccini coordena o Sistema Nacional de Informação – Gravidez Segura e pesquisa os efeitos da talidomida nos embriões. Entre suas atividades está a documentação do nascimento de crianças afetadas, diferenciando-as de portadoras de outros defeitos genéticos semelhantes.
"Queremos compreender exatamente como a substância afeta o feto, a fim de desenvolver medidas preventivas ainda melhores", comenta. "E um dia", diz a pesquisadora, "com base em nossos resultados, poderemos até mesmo desenvolver uma substância sem contra-indicações e que apresente os mesmos efeitos positivos."
Pois existem boas razões para se utilizar a talidomida. "Trata-se de um medicamento excelente, muito eficiente para combater os sintomas de diversas doenças crônicas", assinala Schüler-Faccini. Além da lepra e do câncer de medula óssea, a talidomida também é usada no tratamento de doenças do sistema imunológico, como aids e lúpus.
 
 
 
 
O Contergan já havia sido avaliado positivamente porque, ao contrário de outros sedativos, ele é tóxico somente em quantidades muito grandes. Em homens e mulheres não grávidas, a talidomida em doses adequadas quase não tem efeitos colaterais, afirma a pesquisadora. Só que o efeito colateral que ocorre em mulheres grávidas e afeta diretamente o feto é tão grave que a distribuição do medicamento deve ser rigorosamente controlada.
 
 
Legislação mais rígida
 
Essa também é a opinião de Maximino. Ela, que tem 50 anos, está entre as primeiras vítimas da talidomida no Brasil. Mesmo assim, sabe que, para muitos pacientes crônicos, o medicamento é a única maneira de aliviar o sofrimento. "No Brasil a talidomida é um medicamento de baixo custo de fabricação e temos um grande número de hansenianos. Essa é uma doença ligada à pobreza, e acredito que esse é o motivo para a utilização do remédio."
Por tudo isso, Maximino se empenhou por uma regulamentação mais rígida da distribuição de compostos de talidomida, incluindo amplos esclarecimentos sobre os perigos do medicamento, nenhuma distribuição a mulheres em idade fértil, o registro de pacientes e de médicos autorizados a receitá-o e a criminalização do mau uso do medicamento.
Esse último ponto é muito importante, registra Maximino, com pesar. "Infelizmente temos que levar em consideração que existem todos os tipos de pessoas, e algumas podem abusar da talidomida com o propósito de obter a indenização."
 
 
Como na Índia
 
Os legisladores brasileiros atenderam a todas essas exigências em 2011. "Cláudia Maximino e sua associação colaboraram decisivamente para que uma legislação mais restritiva fosse aprovada", garante a pesquisadora Schüler-Faccini. "No entanto, o risco ainda é alto, já que cerca de quatro milhões de comprimidos são receitados anualmente."
E Maximino ainda discute com as autoridades. "Na verdade, as regras de prescrição deveriam considerar as realidades regionais no Brasil", diz. Em 2010, nasceu no Brasil uma criança com a síndrome da talidomida. A Índia, cuja população é seis vezes maior que a brasileira, não registra nenhum caso há anos, compara a ativista. "O melhor seria proibir a talidomida fora dos hospitais, como acontece na Índia."
 
 

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